quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Centenário das Assembleias de Deus

Faço minhas as palavras do ilustre Pr.Geremias do Couto.

Leia a postagem sobre o tema no link abaixo.




www.geremiasdocouto.blogspot.com

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O MINISTÉRIO APOSTÓLICO




Texto áureo
“Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina.” (Ef.2:20).

INTRODUÇÃO

- Ainda a título de complementação dos estudos que temos tido sobre a Segunda Carta de Paulo aos Coríntios, faremos um breve estudo a respeito do ministério apostólico, questão oportuna já que têm surgido, no meio evangélico, inúmeros “apóstolos”, tendo sido esta epístola uma defesa que Paulo fez de seu apostolado à igreja em Corinto.

- Ao verificarmos o que a Bíblia fala sobre os apóstolos, bem como as características do apostolado, mediante a defesa que Paulo faz em II Coríntios, percebemos nitidamente que o ministério apostólico ficou restrito aos doze escolhidos pelo Senhor Jesus e que os “apóstolos do século XXI”, mesmo que o ministério apostólico tivesse perdurado até os dias de hoje (o que não parece ser o caso na melhor interpretação bíblica), não passariam dos “falsos apóstolos” mencionados pelo próprio Cristo em Ap.2:2.

I – OS SIGNIFICADOS DA PALAVRA “APÓSTOLO”

- Muito se tem discutido a respeito da existência, ou não, na Igreja, em nossos dias, do “ministério apostólico”. A Igreja teria, ainda hoje, “apóstolos”? Afinal de contas, Paulo, ao escrever aos efésios, disse que o Senhor Jesus daria “uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e doutores” (Ef.4:11), ou seja, haveria cinco dons ministeriais na Igreja, um dos quais o de “apóstolo”.

- Com base nesta passagem bíblica, notadamente nos últimos anos, muitos líderes ditos evangélicos têm se intitulado “apóstolos”, querendo, com isso, afirmar que estão à frente dos demais ministros de seu movimento, de sua denominação, que são, em nível hierárquico inferior, “bispos” ou “pastores”. Mesmo nas Assembleias de Deus já começaram a surgir alguns “apóstolos”, ainda que, por enquanto, em igrejas que, por terem assim agido, acabaram se desligando das principais convenções. Haveria base bíblica para isto? Há, na atualidade, o dom de “apóstolo”?
- Esta questão, que tem sido suscitada com frequência em nosso meio, é oportuna no instante em que estamos a estudar a segunda carta de Paulo aos coríntios, em que Paulo defende, diante da igreja em Corinto, exatamente a sua condição de “apóstolo”, que era a principal crítica que se lhe faziam os judaizantes, que não aceitavam o apostolado do ex-perseguidor da Igreja. Nada melhor, pois, quando estamos a estudar a defesa que Paulo faz de seu apostolado junto aos crentes de Corinto, que venhamos a discutir esta problemática a respeito da existência, ou não, de apóstolos na Igreja dos dias atuais.

- Por primeiro, devemos lembrar que a palavra “apóstolo” é uma palavra grega, que já existia quando do início da história da Igreja. Quase todas as questões surgidas atualmente a respeito de títulos, funções e dons ministeriais no meio evangélico partem de premissas que desconsideram a realidade de que, com a vinda de Cristo e o início da dispensação da graça, algumas palavras adquiriram novos significados, significados específicos decorrentes da instalação da nova aliança, sem que, no entanto, na própria redação do Novo Testamento, não tenham sido utilizadas em seus significados primitivos, alheios às instituições surgidas com o aparecimento da Igreja.

- Um exemplo disso é a palavra “diácono” (διάκονος), cujo significado em grego é “servo”, “servidor” e que, após a questão surgida na igreja de Jerusalém no tocante à assistência às viúvas, passou a designar um oficial da igreja encarregado de servir as mesas (At.6:1-6). Assim, muitas vezes, no texto grego do Novo Testamento, aparece a palavra “diácono”, mas no seu significado original, de “servidor”, de “pessoa que presta serviços” (significado muito semelhante ao de “servente” em “servente de pedreiro”, que usamos em português), que nada tem que ver com a função criada após este problema na igreja de Jerusalém. Assim, quando se diz que Febe era “diaconisa”, como se vê em Rm.16:1, em algumas versões, em absoluto se quer dizer que Febe havia sido separada para o “diaconato” como aqueles sete varões em Jerusalém, mas apenas se diz que ela era uma mulher prestativa, que “servia” os irmãos, que lhes prestava serviços (hospedagem, fornecimento de alimentação, cuidados diversos etc. etc. etc.), não havendo base alguma para, a partir daí, dizer-se que mulheres podem exercer o “diaconato”, máxime diante de textos como At.6:3 e I Tm.3:12, que indicam que tal função é privativa dos homens.

- Mas, voltando à questão do “apostolado”, temos aqui a mesma situação. A palavra “apóstolo”(απόστολος) significa “delegado”, “enviado”, “despachado”, vindo do verbo “apostello” (αποστέλλω), cujo significado é “enviar”, “despachar”. Assim, “apóstolo” é um “enviado”, alguém que é mandado para fazer algo para outrem. Neste sentido, aliás, é que se disse que o Senhor Jesus deve ser considerado como “o apóstolo e sumo sacerdote da nossa confissão” (Hb.3:1), ou seja, como o “enviado” do Pai à humanidade para a salvação (Mc.9:37; Mc.12:6; Lc.4:18; Jo.3:17; 4:34; 5:23,37; 6:38).

- Quando Jesus iniciou o Seu ministério terreno, começou a chamar aqueles que deveriam acompanhá-l’O (Mc.4:13). Dentre estes homens que foram chamados por Ele e que passaram a segui-l’O para serem “pescadores de homens” (Mt.4:19), Jesus escolheu doze “para que estivessem com Ele, e os mandasse a pregar, e para que tivessem poder de curar as enfermidades e expulsar os demônios” (Mc.3:14,15). Estes doze homens foram, pois, escolhidos para um trabalho específico, para que fossem enviados e pregassem às ovelhas perdidas de Israel, já que, no exíguo tempo que Jesus tinha, não poderia Ele pessoalmente, ir a toda a extensão da Palestina judaica (Mc.6:7). Estes doze foram “enviados” por Jesus para este trabalho e, por isso, passaram a ser chamados de “apóstolos”, ou seja, “enviados”.

- Os “apóstolos”, portanto, eram, dentre os discípulos de Jesus, aqueles que passaram a participar de um grupo seleto, mais próximo do Senhor, que foram “enviados”, num primeiro instante, para pregar aos israelitas e, desta maneira, fazer com que o trabalho de Jesus se estendesse a todo o Israel, como também fossem preparados para liderar a Igreja quando terminasse o ministério terreno de Jesus (Mc.10:32; Lc.8:1; 18:31; 22:14; Jo.6:70).

- Desta maneira, a palavra “apóstolo”, que tinha o significado de “enviado”, passou a designar aqueles doze homens que, tendo sido enviados durante o ministério terreno de Jesus para completar-Lhe a obra da evangelização a todo o Israel, também haviam sido escolhidos por Jesus para continuar-lhe a obra, liderando a Igreja nos primeiros dias.

- Esta condição foi plenamente compreendida pelos apóstolos após a ressurreição de Jesus. O Senhor, em Suas aparições, completando todo o ensino dos anos de Seu ministério terreno, falou-lhes a respeito do reino de Deus (At.1:3), mostrando-lhes que, como apóstolos, deveriam eles, que haviam testemunhado o cumprimento das Escrituras a respeito da morte e ressurreição de Cristo, pregar em Seu nome o arrependimento e a remissão dos pecados em todas as nações, começando por Jerusalém (Lc.24:44-48) e que, para realizar esta obra, deveriam eles aguardar o revestimento de poder (Lc.24:49).

- Tanto assim é que, enquanto aguardavam tal revestimento de poder, os onze apóstolos sentiram a necessidade de completar o número de doze, que estava incompleto após a traição e suicídio de Judas Iscariotes, pois sabiam eles que o número de apóstolos tinha de ser doze, já que este havia sido o número escolhido pelo próprio Jesus, até porque aos apóstolos está reservado o julgamento das tribos de Israel durante o reino milenial (Mt.19:28; Lc.22:30).

- Por isso, resolveram escolher um novo apóstolo, que ocupasse o lugar deixado por Judas Iscariotes, tendo, então, demonstrado toda a sua consciência do que era ser um “apóstolo”, ao apontar como requisitos do apostolado que se fosse “um varão que convivera com os demais apóstolos todo o tempo em que o Senhor Jesus entrou e saiu dentre eles, começando desde o batismo de João até o dia em que dentre eles foi recebido em cima, para que se fizesse testemunha de Sua ressurreição” (At.1:22).

- Ante estas exigências, que confirmavam que o apostolado era algo peculiar e referente ao “envio” de Jesus durante o Seu ministério terreno, apenas dois candidatos se apresentaram naqueles quase cento e vinte discípulos, tendo sido lançadas sortes entre José Barsabás e Matias, sortes que foram favoráveis a este último que, a partir daquele momento, passou a ser contado com os onze apóstolos, “por voto comum” (At.1:26).

- Este gesto dos apóstolos que levou à escolha de Matias, além de ter o mérito de nos dizer o que é ser “apóstolo”, também nos mostra que não houve, neste episódio, a intervenção divina que confirmasse esta substituição de Judas por Matias. Na verdade, a expressão de Lucas, que diz que “Matias foi contado por voto comum com os onze apóstolos”, por ser um texto inspirado pelo Espírito Santo, mostra-nos claramente que, para o Senhor Jesus, Matias não era apóstolo, embora tivesse passado a ser assim considerado, visto que o “voto comum” dos demais apóstolos não tem o mesmo valor da chamada feita pelo próprio Senhor Jesus, como já vimos antes.

- Muito pelo contrário, na sequência da história da Igreja, veremos que é a Paulo que se terá esta chamada para o lugar de Judas Iscariotes. Com efeito, Paulo é o único, com exceção de João (que era um dos doze) a quem o Senhor Jesus aparece pessoalmente depois de Sua ascensão, no caminho de Damasco (At.9:4-6), como também o único que revela ter tido experiências pessoais diretas com o Senhor Jesus (I Co.11:23), expressão esta, aliás, o que é assaz elucidativo, que foi utilizada com respeito à ceia do Senhor, uma reunião que Jesus teve tão somente com os doze (Mt.26:20; Lc.22:14).

- Na sequência da conversão de Paulo, vemos que o Senhor Jesus falou em visão a Ananias que Paulo era para Ele “um vaso escolhido para levar o Seu nome diante dos gentios, e dos reis, e dos filhos de Israel” (At.9:15), atestando, assim, que Paulo era “enviado” do Senhor notadamente para os gentios, motivo pelo qual diria que a ele havia sido confiado o “evangelho da incircuncisão” (Gl.2:7). Tinha-se mais uma demonstração de que Paulo assumia uma condição singular dentre os demais discípulos, verdadeiramente ocupando o lugar deixado por Judas Iscariotes.

- Não é por outro motivo que Paulo passa a se intitular “apóstolo”, sempre reafirmando que isto não era consequência de sua vaidade ou presunção, mas a pura e cristalina vontade de Deus (I Co.1:1; II Co.1:1; Ef.1:1; Cl.1:1; II Tm.1:1). Ele fora “enviado” pessoalmente pelo Senhor Jesus e, mediante experiências pessoais retroativas, havia se tornado testemunha do ministério terreno de Jesus, tanto que chegou, mesmo, a mencionar um ensino de Cristo que nenhum dos evangelistas registrou (At.20:35). É, por isso até que Paulo se intitula um “apóstolo abortivo”, ou seja, como um “apóstolo nascido fora de época” (este é o sentido da palavra grega “ektroma” – εκτρωμα — utilizada no texto), alguém que, depois dos acontecimentos autorizadores da escolha de alguém como apóstolo, faz-se participantes dele.

- Os judaizantes questionavam o “apostolado” de Paulo precisamente porque Paulo não acompanhara o ministério terreno de Jesus e por se voltar para a pregação do Evangelho aos gentios, não impondo aos convertidos a observância da lei de Moisés, o que atestaria, segundo eles, a “falsidade” de seu ministério apostólico, pois nada disso era feito ou realizado pelos outros onze (ou doze, já que, certamente, os judaizantes consideravam válida a substituição de Judas por Matias).

- No entanto, como temos visto em II Coríntios, Paulo mostra que seu ministério nada tinha de inferior em relação aos demais apóstolos, sendo certo que a participação, ainda que a fora de época, do ministério terreno de Cristo e a sua condição peculiar de ser testemunha da ressurreição do Senhor superavam todos os óbices apresentados para o reconhecimento de seu apostolado, ainda mais diante da demonstração de Espírito e de poder que haviam caracterizado sua passagem por Corinto e por todos os lugares onde estava a implantar igrejas.

- Ser “apóstolo”, pois, no contexto da Igreja, era ter sido testemunha do ministério terreno de Cristo, desde Seu batismo por João até a Sua ascensão aos céus e, ante este testemunho do cumprimento das Escrituras a respeito do Cristo, pregar o arrependimento e remissão dos pecados em todas as nações, começando por Jerusalém, cuidando do ministério da palavra e da oração (At.6:2,4), completando a construção da estrutura da Igreja que estava sendo edificada pelo Senhor Jesus (Mt.16:18).

II – O DOM MINISTERIAL DE APÓSTOLO

- Desde quando nomeou os doze para pregar às ovelhas perdidas da casa de Israel (Mt.10), o Senhor Jesus deixou claro que o trabalho dos apóstolos era complementar a Sua obra ministerial que Ele, feito pouco menor do que os anjos, tornado homem (Hb.2:9), não poderia realizar sozinho, diante do tempo que Lhe fora destinado e da própria necessidade de ensinar aos discípulos de que a obra haveria de ser feita coletivamente. A Igreja é o “corpo de Cristo” (I Co.10:16) e todos devemos trabalhar conjuntamente para que a obra de evangelização se realize.

- Mas, além de ser o “corpo de Cristo”, de que Jesus é a cabeça, além de ser o Salvador do corpo (Ef.5:23), a Igreja também é o “edifício de Deus” (I Co.3:9) e, como todo edifício, tem de ter um alicerce, um fundamento, uma base para que se construísse. É interessante observar que, quando Jesus revelou o mistério da Igreja, que estava oculto desde os séculos (Ef.3:5-10), disse que haveria de edificar a Igreja (Mt.16:18), ou seja, a Igreja não estava edificada quando da revelação deste mistério em Cesareia.

- A Igreja, para ser edificada, precisava, como todo edifício, de uma pedra fundamental, da “principal pedra da esquina”. Ora, quando da revelação do mistério, Jesus mesmo disse que pedra era esta, a saber, Ele próprio. “Sobre esta pedra edificarei a Minha igreja”, disse o Senhor Jesus. Como podemos saber que a pedra é Cristo? Porque assim nos ensina o apóstolo Pedro, a quem o Senhor dirigiu estas palavras: “ E chegando-vos para Ele — pedra viva, reprovada, na verdade, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa.” (I Pe.2:4). Se Pedro, que era a pessoa que ouviu estas palavras de Jesus, entendeu que a pedra a que Jesus Se referia era o próprio Cristo, como haveremos de dar outro sentido a estas palavras?

- Paulo, mesmo, confirma esta circunstância ao dizer que ninguém pode pôr outro fundamento além do que está posto, que é Jesus Cristo (I Co.3:11) e, em outra passagem, reafirma que a “principal pedra da esquina” é o Senhor Jesus (Ef.2:20).

- No entanto, um edifício não é feito apenas pela pedra fundamental. Ela é indispensável, é a base de tudo, é o fundamento de tudo, mas o alicerce depende ainda de outras estruturas além destas pedras. Ora, o fundamento completo, o alicerce completo tem, ao lado da pedra fundamental, “o fundamento dos apóstolos e dos profetas” (Ef.2:20).

- Vemos, portanto, que a Igreja está fundamentada em Jesus Cristo, mas que esta pedra principal da esquina é complementada, corroborada pelo “fundamento dos apóstolos e dos profetas”. Quando se fala em profetas, lembramos do que disse o Senhor Jesus: “A lei e os profetas duraram até João” (Mt.11:13; Lc.16:16). Assim, os profetas, cujo último foi João, serviram de fundamento para a Igreja, porque prediziam a respeito do Messias, a respeito do Cristo, sendo testemunhas dAquele que haveria de vir. Como bem explanou num estudo bíblico realizado em 25 de janeiro de 2010 na Assembleia de Deus do Ministério do Ipiranga na Praça da Sé – São Paulo/SP, o pastor José Magalhães (vice-presidente da Assembleia de Deus – Ministério de São Miguel Paulista, em São Paulo/SP), “Jesus era uma profecia” durante os ministérios dos profetas, tendo passado a ser uma “realidade conhecida” no instante em que foi batizado por João, razão pela qual João foi o maior de todos os profetas (Lc.7:28), pois além de profetizar a respeito de Cristo, também O apresentou em carne e osso ao povo.

- Jesus disse que as Escrituras d’Ele testificavam (Jo.5:39), Escrituras estas que eram, naquele momento, tão somente “a lei e os profetas”, o Antigo Testamento. Os profetas apresentavam-se, desta maneira, como “testemunhas” do Senhor Jesus, fazendo, assim, parte deste fundamento que se erigia como “edifício de Deus”, já que o cumprimento de suas profecias na pessoa de Cristo era parte fundamental da pregação do arrependimento e remissão dos pecados por parte dos discípulos do Senhor (Lc.24:44-47). Não é à toa que Pedro, no dia de Pentecostes, usou das Escrituras em seu sermão (At.2:14-40).

- Este testemunho dos profetas era um “testemunho antecipado”, como nos ensina Pedro em sua primeira epístola, quando afirma que os profetas indagaram que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que neles estava, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir, aos quais foi revelado que, não para si mesmos, mas para a Igreja, eles ministravam estas coisas que agora eram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, pregavam o evangelho (I Pe.1:10-12).

- É neste instante, pois, que surge o segundo grupo de “complementadores” do fundamento da Igreja, ou seja, os apóstolos. Eles tinham a missão de, pelo Espírito Santo enviado do céu, testificarem o cumprimento do que havia sido profetizado a respeito do Cristo. Eles deveriam complementar o que havia sido profetizado, ministrando a Palavra de Deus e perseverando na oração, a fim de que o povo compreendesse que o que havia sido profetizado a respeito do Cristo já estava cumprido e que era tempo de se salvar da geração perversa e crer em Jesus como Senhor e Salvador de suas vidas.

- Os apóstolos eram “enviados” de Jesus para testificar o cumprimento das Escrituras em Jesus e também deixar registrado este cumprimento em novas Escrituras, Escrituras que completassem a revelação de Deus ao homem. Aquilo que os profetas haviam profetizado e tinha sido registrado fora cumprido e cabia aos apóstolos, como “enviados especiais” do próprio Senhor Jesus, como “testemunhas oculares” do cumprimento das Escrituras, mostrar o cumprimento do que havia sido profetizado, devendo ser igualmente registrado o que eles ensinassem sobre tal cumprimento.

- O dom ministerial de apóstolo, portanto, diz respeito a este fundamento da Igreja, a esta complementação da obra de Cristo, complementação relacionada ao complemento das Escrituras (o Novo Testamento) e à estruturação da base do “edifício de Deus”, da Igreja, a partir do que cada crente poderia, em conjunto com os demais irmãos em Cristo, levantar os pavimentos, os andares, isto é, “ajustar-se e crescer para templo santo do Senhor, para morada de Deus em Espírito” (Ef.2:21,22), “ajustar-se bem e ligar-se pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, para fazer o aumento do corpo, para sua edificação em amor” (Ef.4:16); “para edificação da casa espiritual e sacerdócio santo, para oferta de sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo” (I Pe.2:5).

- Ora, um tal trabalho se esgotou com a morte do apóstolo João que, pela tradição e por inferências das Escrituras (Jo.21:22,23), foi o último dos doze a morrer, tendo sido concluído o Novo Testamento com ele, com a redação de suas cartas, do seu evangelho e do Apocalipse. Temos, então, que não há como se admitir que haja novos apóstolos depois dos doze, pois o trabalho deles era específico, concernente à conclusão do alicerce da Igreja, algo que se encerrou com João, quando se complementou a revelação de Deus por Cristo Jesus.

- É, neste sentido, que, ao falar sobre os dons dados à Igreja, o apóstolo Paulo que o Senhor Jesus deu, primeiramente, à Igreja, apóstolos (I Co.12:28) e, posteriormente, os demais dons, a mostrar que havia uma precedência, não só de autoridade, mas de tarefa na edificação da Igreja, porque a eles cumpria complementar o alicerce do “edifício de Deus”. Por isso, é dito que os crentes, logo após o início da igreja, perseveravam “na doutrina dos apóstolos”, o primeiro fator da “koinonia” característica da igreja primitiva (At.2:42).

- Esta circunstância, ademais, é confirmada na visão que João teve da Jerusalém celestial, a morada dos salvos. Ali, as portas são doze, cada uma com o nome de uma das tribos de Israel, que é o povo de Deus (Ap.21:12; Rm.11:17,18). Mas, além das portas, a cidade celeste tem um muro que tem doze fundamentos, e neles os nomes dos doze apóstolos do Cordeiro (Ap.21:14). Por que doze? Porque depois destes doze, não houve mais nenhum apóstolo!

- Por isso é dito que a Igreja é “apostólica”, ou seja, está baseada no ensino dos apóstolos, que testificavam o cumprimento das Escrituras hebraicas na pessoa de Cristo Jesus. Pertencemos, sim, a uma igreja “apostólica”, porque perseveramos na doutrina dos apóstolos, que nada mais é que a Palavra de Deus, o testemunho de Cristo Jesus.

- Dirão alguns que o próprio Novo Testamento chama de “apóstolos” a outros que não os doze e Paulo, como é o caso de Barnabé (At.14:14). No entanto, aqui “apóstolo” tem o significado de “enviado”, porque tanto Barnabé quanto Paulo haviam sido “enviados” pela igreja de Antioquia (At.13:2,3). “Apóstolo” aqui está empregado no seu significado primitivo, algo mais próximo ao que atualmente chamamos de “missionário”.

- A propósito, na história da Igreja, passou-se a chamar de “apóstolo” aquele que “enviado” por uma igreja ou até mesmo por um chamado divino, implantava igrejas em regiões até então não evangelizadas, como é o caso de Bonifácio (672-754 ou 755), que iniciou a evangelização da Alemanha (primeiramente, por conta própria, depois como “enviado” do Papa Gregório II) e, por isso, é intitulado “Apóstolo dos Germanos” ou, mesmo de José de Anchieta (1534-1597), que é chamado pelos católicos romanos de “Apóstolo do Brasil”, por ter sido um dos principais responsáveis pela catequização dos índios no início da colonização portuguesa em nosso país. Trata-se, pois, de um costume disseminado pela Igreja Romana e que, portanto, não deve ser acolhido por quem cristão se diz ser e não aceita o romanismo, como é o nosso caso.

- Por causa deste costume é que muitos entendem que ser “apóstolo” é ser “implantador de igrejas”, ideia surgida ao longo da história da Igreja, mas que não tem respaldo bíblico. O “apóstolo” é aquele que foi escolhido por Jesus para que complementasse o fundamento da Igreja, testificasse o cumprimento das profecias pelo ministério terreno de Jesus, tarefa que se encerrou com o apóstolo João, por volta do ano 100. A partir de então, temos na Igreja o exercício dos demais dons ministeriais (profetas, pastores, evangelistas e mestres), atuando o dom ministerial apostólico através das Escrituras, do Novo Testamento, mas não mais por pessoas escolhidas para este mister.

- A implantação de igrejas não é tarefa do apóstolo, mas, sim, do evangelista, que pode ser um “missionário”, alguém enviado por uma igreja já instituída, como aconteceu com Paulo e Barnabé em relação à igreja de Antioquia. Paulo, mesmo, não se dizia apóstolo porque implantava igrejas, mas, neste aspecto de seu ministério, dizia-se evangelista como se vê em I Co.1:17. Por isso, não podemos considerar senão como uma adoção deste costume a consideração como “apóstolos” de grandes homens de Deus que desbravaram regiões não evangelizadas como os missionários Daniel Berg e Gunnar Vingren ou o indiano Sundar Sing (“o apóstolo dos pés sangrentos” – 1889-1929).

III – A AUTORIDADE APOSTÓLICA

- O que mais impressiona os “apóstolos do século XXI” é a “autoridade apostólica”, que foi defendida por Paulo na segunda carta canônica aos coríntios. Muitos hoje querem se intitular “apóstolos” precisamente porque querem ter a “autoridade espiritual” que tinham os apóstolos na igreja primitiva. Quando vemos no texto bíblico, percebemos que os apóstolos tinham uma precedência sobre pastores, bispos, presbíteros e decorre daí, dentro desta ideia de “hierarquia ministerial” que tem tomado conta das mentes das igrejas e denominações, a necessidade de se dar ao “líder” o título maior, considerado como sendo o de “apóstolo”.

- Não resta dúvida de que os apóstolos, em seu tempo, eram revestidos de uma autoridade respeitada e que se sobrepunha aos dos demais ministros existentes nas igrejas locais. Esta autoridade decorria do fato de que haviam sido chamados diretamente pelo Senhor Jesus e que a eles incumbia o ministério da Palavra e da oração. Evidentemente que uma tal posição lhes punha num patamar diferenciado diante dos demais crentes, seja porque os crentes haviam se convertido por causa da pregação dos apóstolos (At.4:33; 5:12,42), seja porque, mesmo entre aqueles que haviam acompanhado o Senhor Jesus em Seu ministério terreno, era sabido que os doze desfrutaram de um convívio mais íntimo com Cristo.

- Contudo, esta autoridade não se traduzia em domínio sobre a fé dos crentes, como tencionam os “apóstolos pós-modernos”. Bem ao contrário, vemos que os apóstolos não eram “ditadores” nem “tiranos”, mas que, mesmo tendo uma posição diferenciada por vontade de Deus, jamais ousavam se considerar superiores aos demais crentes.

- No episódio da instituição do diaconato, embora tenham decidido criar esta nova função na Igreja, sem consultar os crentes, participaram sua decisão a todos os crentes e deixaram que o povo mesmo escolhesse os diáconos, mostrando, assim, que não estavam a transformar os crentes em meras “vaquinhas de presépio”, mas em pessoas participantes do governo da Igreja. De igual modo, Paulo, no final de sua primeira viagem missionária, fez com que os próprios crentes escolhessem anciãos que ficassem à frente das igrejas locais (At.14:23).

- Os apóstolos não se consideravam superiores aos outros crentes, nem estavam preocupados em “exercer o poder”. Sua autoridade não se manifestava em termos de domínio, mas em demonstração do poder de Deus. Assim, demonstravam sua posição diferenciada, seu chamado específico, não dando ordens aos crentes, nem exigindo que estes lhe obedecessem, mas, bem ao contrário, dando sinais de seu apostolado que, desde seu chamado no ministério terreno de Cristo, eram bem diferentes do “mandonismo” que caracteriza os “apóstolos do século XXI”, mas que era o poder de curar enfermidades, expulsar demônios e fazer sinais, prodígios e maravilhas no meio do povo (At.5:12), mas também o de ter como mensagem a pregação do Evangelho, ou seja, do cumprimento das Escrituras na pessoa de Cristo (At.4:33; 5:42), e, por isso, o de sofrerem, inclusive fisicamente, por causa desta ousadia no testemunho da Palavra de Deus (At.4:23-31; 5:40,41).

- Precisamente, porque os apóstolos não dominavam sobre a fé dos demais crentes, como fazem muitos dos “apóstolos pós-modernos” na atualidade, a Igreja não teve qualquer solução de continuidade quando os crentes foram dispersos por ordem dos líderes religiosos judeus, tendo os apóstolos sido mantidos em Jerusalém (At.8:1). Esta atitude somente serviu para que os crentes disseminassem a pregação do Evangelho e fossem constituídas igrejas em outras localidades, passando-se, assim, a cumprir o propósito de Jesus para a Igreja (At.9:31).

- O “concílio de Jerusalém” é outro exemplo de que como a “autoridade apostólica” não é “exercício de poder ou de mando”, mas, sim, algo bem diverso. Os apóstolos, diante da difícil questão a respeito da submissão dos crentes gentios à lei de Moisés, recorreram, em primeiro lugar, a uma reunião onde também estiveram presentes os anciãos, ou seja, os dirigentes das igrejas locais, prova de que os apóstolos não se consideravam hierarquicamente superiores a estes ministros do Evangelho (At.15:6). Como se não bastasse isso, foram buscar a direção e orientação do Espírito Santo (At.15:28), a quem reconheceram como sendo superior na Igreja. Que diferença para com os que se autointitulam “apóstolos” em nossos dias!

- Os apóstolos haviam aprendido com o Senhor Jesus que a posição que ocupavam na Igreja os fazia “servidores de todos os demais crentes” (Mc.9:35). Paulo, o abortivo, também aprendeu esta lição, tanto que se denominou para os coríntios como “hyperetes” (I Co.4:1), ou seja, o escravo remador das trirremes romanas, como tivemos oportunidade de estudar na lição 7 deste trimestre, e como se encontra no brilhante estudo do presbítero Saulo Gurgel, “Hiperetes: ministro ou escravo”, cuja leitura, uma vez mais, recomendamos (Disponível em: http://sglima.blogspot.com/2009/12/hiperetes-ministro-ou-escravo.html Acesso em 06 fev. 2010).

- João, ao escrever o último livro da Bíblia Sagrada, apresentou-se como “vosso irmão e companheiro na aflição, e no reino, e paciência de Jesus Cristo” (Ap.1:9), expressão que foi assim comentada pelo pastor José Serafim de Oliveira: “…Isto quer dizer que a mesma aflição que os crentes estavam passando, ele estava também. Não tinha privilégios. Estava na mesma situação, no mesmo patamar, e todos, tanto o apóstolo como os crentes, tinham a plena certeza, plena convicção de que estavam sofrendo pela causa da justiça, pelo Reino de Deus.…” (Desvendando o Apocalipse: o livro da revelação. São Paulo: Pr. José Serafim, 2009, p.13).

- Percebe-se, portanto, que a “autoridade apostólica” não advém de uma posição hierárquica, não é uma questão de mando, mas era fruto da presença do poder de Deus na vida daqueles homens que haviam sido escolhidos para anunciar, com ousadia e poder, a Palavra de Deus, para testemunhar o cumprimento das Escrituras na pessoa de Cristo Jesus.

- Neste sentido, também, a Igreja é apostólica, pois deve seguir os passos dos apóstolos, deve prosseguir fazendo o que os apóstolos faziam, sendo este o motivo pelo qual Paulo pedia aos coríntios para que fossem seus imitadores, como ele era de Cristo (I Co.11:1).

- Paulo, quando quis provar sua condição de apóstolo, não invocou qualquer domínio sobre a fé dos coríntios. Pelo contrário, logo no limiar da defesa de seu apostolado, quis deixar claro que não tinha domínio sobre a fé daqueles crentes, porque era cooperador do gozo deles, porque eles se mantinham em pé pela fé e não por causa da suposta autoridade do apóstolo (II Co.1:24).
OBS: Podemos até dizer que os versos do conhecido bolero de José Feliciano, “Sabor a mí” trazem o verdadeiro espírito do apostolado pelos verdadeiros, genuínos e autênticos apóstolos, a saber: “No pretendo ser tu dueño, no soy nada yo no tengo vanidad. De mi vida doy lo bueno, soy tan pobre, que otra cosa puedo dar” (tradução nossa: não pretendo ser seu dono, não sou nada, não tenho vaidade. Deu o melhor da minha vida, sou tão pobre, que outra coisa poderia dar?” Ah, se os “apóstolos do século XXI” pensassem assim…

- Vemos, pois, que a referida “autoridade apostólica”, em momento algum, pode ser considerada uma “intermediação” entre Cristo e os membros da igreja, como tem sido ensinado pela falsa doutrina da “cobertura apostólica”, que nada mais é que mais uma evidência de que muitos dos “apóstolos do século XXI” nada mais são que “falsos cristos”, pessoas que assumem indevidamente para si um papel que cumpre única e exclusivamente a Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, qual seja, o de ser o mediador entre Deus e os homens (I Tm.3:5).
OBS: É interessante notar que mesmo o Papa, que se diz “Vigário de Cristo”, não toma a liberdade de se chamar “apóstolo”, mas tão somente “sucessor do príncipe dos apóstolos” (aliás, “Papa” significa “Pedro Apóstolo Príncipe dos Apóstolos”). Assim, embora também seja um “falso cristo”, é menos atrevido que estes “apóstolos pós-modernos”…

- Outro ponto que se costuma associar à ideia da “autoridade apostólica” é a “paternidade espiritual”, considerada como uma dependência e uma relação de obediência que deve existir entre os crentes e os “apóstolos”. Aqui também, vemos que este conceito é despido de qualquer amparo bíblico, tanto que, na sua própria defesa do apostolado, Paulo mostra que a “paternidade espiritual” é, antes de mais nada, um dever do que um poder. Diz o apóstolo: “…não busco o que é vosso, mas sim a vós; porque não devem os filhos entesourar para os pais mas os pais para os filhos. Eu de muito boa vontade gastarei, e me deixarei gastar pelas vossas almas, ainda que, amando-vos cada vez mais, seja menos amado” (II Co.12:14,15).

- Ser “pai espiritual”, portanto, não é ter a obediência dos “filhos” e fazer com que eles o sustentem. Não, não e não! Ser “pai espiritual” é ter a consciência de que deve levar a “herança do Senhor”, que são os filhos na fé, a se apresentar como “virgem pura a um marido, a saber, a Cristo” (II Co.11:2) e que, por isso, deve empreender todos os esforços para que estes filhos não venham a se perder, ainda que eles não reconheçam este amor e dedicação. Afinal de contas, é o pai espiritual quem deve levar o tesouro, que é o Evangelho (II Co.4:4-6), a estes filhos e não os filhos quem devem trazer seus bens para enriquecer os pais espirituais.
- Quão diferente é o conceito bíblico de “paternidade espiritual” do que andam ensinando por aí, que nada mais é que indevida submissão do crente a um homem, o que Paulo disse não ser mais admissível para quem é salvo em Cristo Jesus (I Co.7:23). “Pai espiritual” não é quem escraviza homens com suas “fórmulas de fé”, “visões”, “revelações”, mas, sim, quem leva Cristo Jesus aos homens, nada querendo em troca.

- A autoridade apostólica advinha do bom testemunho dado pelos doze, pela presença do poder de Deus através de suas vidas, pelo grande amor que devotavam aos demais crentes, pela responsabilidade e compromisso que tinham para com a mensagem do Evangelho e a edificação dos crentes. Como disse Paulo, os apóstolos tinham consciência de que Deus os havia posto como os últimos, como condenados à morte, como espetáculo ao mundo, aos anjos e aos homens. Pessoas que não se importavam de sofrer fome, sede, nudez, ferimentos e falta de residência fixa; pessoas que não se importavam de serem considerados o lixo deste mundo e a escória de todos (I Co.4:11-13).

- Os “apóstolos pós-modernos” assim se consideram diante dos demais homens? Será por isso que se intitulam “apóstolos”? Não, não e não! Como assinala, em texto muito feliz, o pastor Ricardo Gondim, “…O que preocupa nos apóstolos pós-modernos é ainda mais grave. Tem a ver com a nossa natureza que cobiça o poder, que se encanta com títulos e que fez do sucesso uma filosofia ministerial. Há uma corrida frenética acontecendo nas igrejas de quem é o maior, quem está na vanguarda da revelação do Espírito Santo e quem ostenta a unção mais eficaz. Tanto que os que se afoitam ao título de apóstolo são os líderes de ministérios de grande visibilidade e que conseguem mobilizar enormes multidões. Possuem um perfil carismático, sabem lidar com massas e, infelizmente, são ricos.” (Não quero ser apóstolo. Disponível em: http://www.jesussite.com.br/acervo.asp?id=1065 Acesso em 06 fev. 2010).

- Esta motivação dos “apóstolos do século XXI” faz com que se tenha a negação completa do que vimos até aqui a respeito do apostolado. Ainda que se entendesse que o ministério apostólico continuasse nos dias hodiernos, uma tal motivação não encontraria guarida na Bíblia para que reconhecêssemos como legítimos apóstolos homens que buscam poder, que se dizem superiores aos demais crentes.

- Aos doze, Jesus disse que o apostolado os tornava servos de todos os demais, não o maior dentre os crentes; aos doze, Jesus disse que tinham de ser testemunhas das Escrituras, não os portadores de “novas mensagens”, de “novas revelações”; aos doze, Jesus disse que deveriam ser “revestidos de poder”, do mesmo Espírito Santo que Ele havia assoprado sobre eles (Jo.20:22) e que serviria para glorificar o Filho (Jo.1¨6:13,14) e não “uma nova unção”, que nos distancia da simplicidade que há em Cristo, exatamente o que o “pai espiritual” deve impedir que aconteça (II Co.11:3,4; Gl.1:8,9).

- Ademais, nestes “apóstolos do século XXI” não vemos os sinais que caracterizavam o apostolado de Paulo. Paulo, para demonstrar que não inferior aos demais apóstolos, fez questão de lembrar aos coríntios que não era rude na ciência, anunciara de graça o evangelho de Deus, era ministro de Cristo, tinha um currículo de sofrimentos por causa do Evangelho, não se considerar nem ser superior a qualquer crente, bem como ter intimidade com Deus (II Co.11-12).
- Nos “apóstolos do século XX!”, no entanto, o que vemos não é coisa alguma destas características. Como afirma o irmão batista Márcio Redondo, “…Minha dificuldade em aceitar o movimento apostólico dos nossos dias reside em que os ‘apóstolos’ modernos não viram Jesus ressuscitado, não foram designados pessoalmente pelo próprio Jesus, não realizam prodígios e sinais como na época do Novo Testamento e, ao contrário dos apóstolos do século I, se preocupam com a distribuição territorial. Minha conclusão é que tais pessoas declaram-se apóstolos, mas na verdade nunca o foram (2 Coríntios 11.13; Apocalipse 2.2)” (Apostolado ou apostolice. Disponível em: http://camposdeboaz.xn.blog.br/apostolado-ou-apostolice-marcio-redondo Acesso em 06 fev. 2010).

- Com efeito, quando olhamos para um “apóstolo” ali, vemo-lo explorando o povo financeiramente, o que apóstolo algum faria;se olhamos para outro lá, vemo-lo envolvido em processos criminais, com os delitos comprovados e que dão até condenações judiciais (não no Brasil, claro, pois o Brasil é a nação da impunidade…); se, todavia, dirigimo-nos para acolá, vemos outro “apóstolo” lutando por territórios e por espaços na mídia, em luta insana com outras denominações, querendo ser o “maior” na mídia; se, por fim, atentamos para aquele que está mais para lá, vemo-lo usando de subterfúgios para “mostrar” poder como neurolinguística, adivinhação ou emocionalismos; quando, então, caminhamos em direção àquele outro ali, ele, baseado em sua “cobertura apostólica”, domina a fé dos crentes, que estão ligados a ele por “alianças espirituais”, pela “geração espiritual”, devendo ser “respeitado e obedecido”. Como podemos, então, dizer que tais homens são apóstolos? Postos à prova, provam não sê-lo (Ap.2:2).

- Esta “apostolice” é mais um eloquente sinal de que estamos em plena apostasia, no ocaso de nossa dispensação. Olhemos para Jesus, o autor e consumador da nossa fé, para que não sejamos enganados e peçamos a Deus misericórdia para que alcancemos, no final de nossa jornada, o mais importante título que alguém pode conseguir: o de servo. Amém!

Caramuru Afonso Francisco

sábado, 20 de fevereiro de 2010

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Seqüestrando o cérebro — como funciona a pornografia



Comentário de Albert Mohler
2 de fevereiro de 2010 (Notícias Pró-Família) — Estamos rapidamente nos tornando a sociedade pornográfica. Durante o curso da última década, imagens explicitamente sexuais se infiltraram lentamente nos anúncios comerciais, no marketing e praticamente em todo vão da vida americana. Essa pornografia de ambiente está agora em quase todos os lugares, desde o shopping mall local ao horário nobre da televisão.
Pelos cálculos de alguns, a produção e venda de pornografia explícita agora representam a sétima maior indústria dos Estados Unidos. Novos vídeos e páginas de internet são produzidos a cada semana, com a revolução digital trazendo um grande número de novos sistemas de distribuição. Toda nova plataforma digital se torna uma oportunidade de marketing para a indústria pornográfica.
O que não é surpresa para ninguém é que a vasta maioria daqueles consumidores de pornografia são homens. Não é nenhum segredo de comércio que as imagens visuais, quer fotos ou vídeos, estimulam muito os homens. Isso não é nenhum avanço novo, conforme atestam antigas formas de pornografia. O que é novo é o acesso em toda parte. Os homens e meninos de hoje não estão olhando para quadros desenhados em paredes de cavernas. Eles têm acesso quase que instantâneo a inumeráveis formas de pornografia numa grande quantidade de formas.
Mas, enquanto a tecnologia tem trazido novos meios para a transmissão da pornografia, o conhecimento moderno também traz uma nova compreensão de como funciona a pornografia no cérebro masculino. Embora essa pesquisa não faça nada para reduzir a culpabilidade moral dos homens que são consumidores de pornografia, ajuda a explicar como o hábito acaba viciando tanto.
Como explica William M. Struthers da Faculdade Wheaton, “Os homens parecem ter sido feitos de tal maneira que a pornografia seqüestra o funcionamento adequado de seus cérebros e tem efeito de longo prazo em seus pensamentos e vidas”.
Struthers é um psicólogo com formação em neurociência e especialidade de ensino nas bases biológicas da conduta humana. No livro “Wired for Intimacy: How Pornography Hijacks the Male Brain” (Programado para a Intimidade: Como a Pornografia Seqüestra o Cérebro Masculino), Struthers apresenta percepções fundamentais da neurociência que fazem uma longa explicação do motivo por que a pornografia é uma tentação grande para a mente masculina.
“A explicação mais simples da razão por que os homens vêem pornografia (ou procuram prostitutas) é que eles são levados a procurar intimidade”, explica ele. O impulso para obter intimidade sexual foi dado por Deus e é essencial para os homens, reconhece ele, mas é facilmente mal direcionado. Os homens são tentados a buscar “um atalho para o prazer sexual por meio da pornografia” e agora acham que dá para se acessar esse atalho com facilidade.
Num mundo caído, a pornografia se torna mais do que uma distração e uma distorção da intenção de Deus para a sexualidade humana. Torna-se um veneno viciador.
Struthers explica:
Ver pornografia não é uma experiência emocional ou fisiologicamente neutra. É fundamentalmente diferente de olhar para fotos em preto e branco do Memorial Lincoln ou olhar um mapa colorido das províncias do Canadá. Os homens são reflexivamente atraídos para o conteúdo de material pornográfico. Como tal, a pornografia tem efeitos de grande repercussão para estimular um homem à intimidade. Não é um estímulo natural. Atrai-nos para dentro. A pornografia é indireta e voyeurística em sua essência, mas é também algo mais. A pornografia é uma promessa sussurrada. Promete mais sexo, melhor sexo, infinito sexo, sexo conforme os desejos, orgasmos mais intensos, experiências de transcendência.
A pornografia “atua como uma combinação de múltiplas drogas”, explica Struthers. Conforme afirma o Dr. Patrick Carnes, a pornografia é “um relacionamento patológico com experiência de alteração do humor”. O tédio e a curiosidade levam muitos meninos e homens a experiências que se tornam mais como vício de drogas do que muitas vezes se admite.
Por que os homens em vez das mulheres? Como explica Struthers, o cérebro da mulher e do homem são feitos de forma diferente. “O cérebro de um homem é um mosaico sexual influenciado por níveis de hormônio no útero e na puberdade e moldado por sua experiência psicológica”. Com o tempo, a exposição à pornografia leva um homem ou menino mais profundamente “numa super-estrada neurológica de mão única onde a vida mental de um homem é fica restrita a uma sexualização excessiva. Essa super-estrada tem inúmeros acessos de entrada, mas muito poucas saídas”.
A pornografia é “visualmente magnética” para o cérebro masculino. Struthers apresenta um exame fascinante da neurologia envolvida, com hormônios de prazer sendo conectados a e liberados pela experiência de um homem vendo imagens pornográficas. Essas experiências com pornografia e hormônios de prazer criam novos padrões na programação do cérebro, e experiências repetidas formalizam a programação.
E então, nunca acaba. “Se eu tomo a mesma dose de uma droga repetidas vezes e meu corpo começa a tolerá-la, precisarei tomar uma dose mais elevada da droga a fim de que tenha o mesmo efeito que tinha com uma dose mais baixa na primeira vez”, recorda-nos Struthers. Por isso, a experiência de ver pornografia e praticá-la cria uma necessidade no cérebro de mais e mais, só para alcançar o mesmo nível de prazer no cérebro.
Enquanto os homens são estimulados pelas imagens sexuais do ambiente ao redor deles, a pornografia explícita aumenta o efeito. Struthers compara isso à diferença entre a televisão tradicional e as novas tecnologias de alta definição. Tudo é mais claro, mais explícito e mais estimulante.
Struthers explica isso com força e persuasão:
Algo sobre a pornografia influencia e arrasta a alma masculina. A influência é fácil de identificar. A forma da mulher nua pode ser hipnotizante. A disposição de uma mulher de participar de um ato sexual e expor sua nudez é sedutora para os homens. A consciência da própria sexualidade, o desejo de saber, experimentar algo como bom brota do profundo lá de dentro. Uma imagem começa a ficar maior em importância quanto mais a olhamos, ganhando força máxima e podendo chegar a um ponto em que nos sentimos como se estivéssemos num caminhão sem freios descendo uma montanha.
“Wired for Intimacy” é um livro oportuno e importante. Struthers oferece perspectivas profundas e estratégicas da neurobiologia e psicologia. Mas o que torna este livro realmente útil é o fato de que Struthers não deixa seu argumento para a neurociência, nem usa a categoria de vício para suavizar a pecaminosidade de ver pornografia.
Os pecadores naturalmente procuram um jeito de esconder seu pecado, e a causa biológica é muitas vezes citada como meio de evitar responsabilidade moral. Struthers não permite isso, e sua perspectiva da pornografia tem base bíblica e teológica. Ele responsabiliza o pecado de ver pornografia naqueles que voluntariamente se tornam consumidores de imagens explícitas. Ele conhece sua audiência — afinal, suas aulas são cheias de estudantes universitários do sexo masculino. O viciado é responsável por seu vício.
Ao mesmo tempo, qualquer compreensão de como o pecado opera seu mal enganador é uma ajuda para nós, e entender como a pornografia atua na mente masculina é um conhecimento poderoso. A pornografia é um pecado que rouba Deus de sua glória no presente do sexo e sexualidade. Há muito sabemos que o pecado faz reféns. Conhecemos agora outra dimensão de como esse pecado seqüestra o cérebro masculino. Conhecimento, como dizem, é poder.

Traduzido por Julio Severo: www.juliosevero.com

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Cultura: A Fé Cristã é Contra, ou A Favor?




F. Solano Portela Neto

1. O que é cultura?

Definir cultura não é uma tarefa fácil. Ricardo Gondim, em seu livro "É Proibido" (Mundo Cristão, 1998) indica que os antropólogos já criaram mais de trezentas definições. Você, possivelmente, já ouviu ou falou a expressão: "isso faz parte do contexto cultural"? Ou, com certeza, você já ouviu palestras sobre "missões transculturais". Mas como poderíamos definir esse conceito? Nos dois sentidos empregados acima, cultura se refere ao conjunto de características peculiares que identificam uma sociedade, em uma determinada época. Mas, em outro sentido, cultura é mais do que isso. A palavra em si vem do latim e significa "trabalhar o solo" ou "cultivar". No seu sentido mais amplo, representa o resultado da aplicação do conhecimento humano no desenvolvimento de obras e atividades que possuem mérito e qualidade, bem como o envolvimento de outros na apreciação e apreensão dessas. Neste artigo, Gostaríamos de discutir um dilema freqüentemente: aquele que coloca a fé cristã em antagonismo com a cultura, levando o crente a um isolamento social ou a uma aceitação indiscriminada de todos os aspectos da sociedade em que vive.

Um dos problemas que confrontamos é que a visão da sociedade secular tende a classificar como "cultura" tudo o que caracteriza uma sociedade, considerando essas formas de expressão como moralmente neutras. Ou seja, tudo que um povo produz é considerado "cultura", seja ela erudita ou popular. Não existe o certo ou o errado, quando se trata de cultura, é apenas uma questão de usos e costumes. Essa compreensão não é bíblica. O crente tem que ter sempre o discernimento moral para separar formas comportamentais que não condizem com a Palavra de Deus, independentemente se são classificadas como "cultura", popular ou não. Muitos líderes evangélicos têm também aceito esse conceito e procuram uma adaptabilidade total da fé cristã. Qualquer tentativa de correção de aspectos culturais é rotulada de "ocidentalização do evangelho", ou violência cultural. Chega-se ao ponto de se dizer que temos que ter "teologias regionais", ou seja – uma teologia sul-americana, uma outra africana, e assim por diante – como se os princípios descritivos revelados de Deus não tivessem uma fonte única e imutável – a Sua Palavra.

Não podemos, portanto, simplesmente aceitar uma civilização como ela é sem termos a visão clara do que ela tem contrário à palavra de Deus. O apóstolo Paulo, o maior "missionário transcultural", não hesitou em fazer observações que, nos dias de hoje seriam consideradas "politicamente incorretas" sobre os habitantes da Ilha de Creta – cultura na qual estava inserido o jovem pastor Tito. Paulo, citando um próprio poeta daquele povo (Epimênides) diz em Tito 1:

Porque existem muitos insubordinados, palradores frívolos, e enganadores, especialmente os da circuncisão. É preciso fazê-los calar, porque andam pervertendo casas inteiras, ensinando o que não devem, por torpe ganância. Foi mesmo dentre eles, um seu profeta que disse: Cretenses, sempre mentirosos, feras terríveis, ventres preguiçosos. Tal testemunho é exato. Portanto repreende-os severamente, para que sejam sadios na fé.(vs. 10-13)

Paulo reconhece, então, que existiam comportamentos genéricos que caracterizavam aquela cultura e vários desses eram desvios do comportamento que Deus espera dos seus servos. Tito, em seus esforços para edificar aquela igreja, tinha que reconhecer que muito dessa "cultura" havia sido trazida para dentro (1:5). Ele tinha que rejeitá-la e "repreender severamente" (v. 13) e "com toda autoridade" (2:15) os que refletiam tal "comportamento cultural típico dos cretenses" dentro da igreja.

Nossa responsabilidade de transmitir e viver adequadamente o evangelho em qualquer cultura, não nos libera de estarmos alerta aos aspectos anti-bíblicos exibidos na formação dos povos. Por exemplo, por mais cultural que seja e por mais que faça parte de nossa formação, do ponto de vista bíblico nada existe de recomendável para o famoso "jeitinho brasileiro". O livro já mencionado de Ricardo Gondim, que é polêmico e desafia o nosso pensamento, e, em muitos sentidos, é muito bom, falha ao aceitar a opinião de E. A. Nida, que um cordão para cobrir o corpo de uma mulher é uma questão cultural, dentro da visão indígena, nada tendo de imoral (p.31).Mas será que "cultura" é algo tão supremo e destituído de valor moral, assim? Não foi o próprio Deus que vestiu o homem caído em pecado (Gênesis 3:21)? Não seria a exigüidade de roupas dos índios, junto com seus costumes de explorar as mulheres no trabalho e até de assassinar as primeiras crianças, quando são do sexo feminino, uma evidência de uma sociedade distanciada dos princípios de Deus, carente do evangelho salvador de Cristo? Será que os missionários terão que preservar todos os aspectos daquela sociedade – porque se constituem em "cultura", ou deverão procurar reformá-la e transformá-la à luz da Palavra? E nós, que faremos em meio à nossa sociedade? Vamos aceitar também "a dança do tchan" como uma expressão cultural inocente, ou vamos reconhecê-la como a banalização da imoralidade que é?

2. O que tem o crente a ver com a cultura?

Por outro lado, existe a cultura verdadeira. O resultado do conhecimento aplicado no caldeirão das peculiaridades e diversidades operadas por Deus em todos os povos. Enquanto muitos crentes não exercitam discernimento e aceitam tudo que é classificado como "cultura" sem se preocupar com a adequação moral e bíblica do que é apresentado, outros têm a compreensão que qualquer coisa produzida fora da igreja, sendo do campo "secular" não deveria ser apreciada. Qual deve ser a abordagem equilibrada desta questão? O que tem a Palavra de Deus a nos ensinar? O Salmo 24 nos diz, "Do Senhor é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam." A verdade é que a visão bíblica não faz uma separação entre o secular e o sagrado. Todas as coisas pertencem a Deus. O Diabo tem atuado temporariamente na terra, mas ele é um usurpador–ele não é o rei por direito. Sabemos que um dos sinais da vitória final de Jesus Cristo é que Deus o exalta, "... para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra" (Filipenses 2:13). As demandas de Deus caem sobre todos os homens, crentes e descrentes. Seus mandamentos são válidos em todas ocasiões e situações. Deus é a fonte de tudo que verdadeiramente tem valor e de todo o desenvolvimento veraz do conhecimento humano.

3. Cultura não é "coisa do mundo"?

Temos nos acostumado a identificar o mundo como sendo uma expressão que indica apenas algo material que podemos ver e tocar. Este tipo de compreensão coloca as coisas materiais como sendo a esfera de domínio de Satanás. Mas a Palavra de Deus nos instrui qual o verdadeiro conceito do "mundo". Em Gálatas 5:19-22 temos bem clara a antítese que deve ser alvo de nossa preocupação–qual a diferença entre o mundo e o Reino de Deus:

1. O Mundo, está descrito nos versículos 19-21. Ele é o domínio daquilo que se constitui nas obras da carne.

2. O Reino de Deus, está nos versículos 22 a 26 e se constitui no Fruto do Espírito.

A separação que existe entre o bem e o mal é ético-religiosa, não é uma questão de matéria versus espírito. As coisas que constituem o bem são concretas, e são também espirituais. Por outro lado, as coisas que constituem o mal também são de natureza espiritual (Efésios 6:12), isto é, não estão identificadas apenas com coisas e questões materiais.

Em outra passagem – I Timóteo 4:3-4, Paulo fala contra os que proíbem "...o casamento, e ordenando a abstinência de alimentos que Deus criou para serem recebidos com ações de graças pelos que são fiéis e que conhecem bem a verdade; pois todas as coisas criadas por Deus são boas, e nada deve ser rejeitado se é recebido com ações de graças". Isto esclarece que a verdadeira religião não é ascética. Ascetismo é a separação artificial entre o mundo material (físico), supostamente inferior, e o mundo espiritual (metafísico), supostamente superior. Como já vimos em Gálatas 5, não podemos identificar maldade com matéria e bondade com espírito. Tudo procede de Deus. Tanto as coisas materiais como as espirituais são desvirtuadas pelo pecado e pelo diabo, subvertendo a ordem da criação. A idéia de que matéria é algo ruim é um conceito do monasticismo católico, dos escritos de Tomás de Aquino e do pensamento das religiões orientais, como por exemplo o Budismo e o Hare Krishna, mas não é uma visão bíblica da realidade.

Verificamos que criamos, na igreja, uma dissociação artificial entre o sagrado e o profano. Falhamos em reconhecer que todas as coisas provêm de Deus. Estamos em uma criação caída, sob o pecado, mas cabe a nós, servos fiéis, exercermos o domínio que nos foi outorgado por Deus, para a sua glória. Isso quer dizer procurarmos adquirir o melhor conhecimento e desenvolver a apreciação pelas coisas belas da criação e aquelas que Deus permitiu às pessoas desenvolverem. Ao mesmo tempo, devemos ter discernimento cristão para rejeitar as distorções malignas da cultura verdadeira.

4. Cultura e o domínio da Criação.

O homem é a coroa da criação, feito de uma forma toda especial à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:27). Tanto o homem quanto a mulher foram criação especial de Deus. Este tema é retomado e explicado em mais detalhes no capítulo 3 de Gênesis.

A maioria dos teólogos fiéis identificam a questão da "imagem de Deus" no fato de que o homem foi criado com a possibilidade de refletir certos aspectos das características de Deus (os chamados atributos comunicáveis), como por exemplo conhecimento, justiça, santidade, amor (algumas características da divindade nunca foram compartilhadas ao homem–os atributos incomunicáveis–por exemplo, a eternidade, a absoluta perfeição e a imensidão de Deus). Em outras palavras, a imagem de Deus no homem torna este uma criatura moral. Esta imagem foi afetada pela Queda, pelo pecado, mas permanece como um diferencial do homem e será restaurada em sua plenitude na nossa glorificação (Romanos 8:29; II Coríntios 3:18). Calvino disse: "a imagem de Deus se estende a tudo aquilo que, na natureza do homem, excede o que existe nos animais" (Institutas, I, 15). A permanência de aspectos essenciais da imagem de Deus no ser humano, mesmo depois da queda, é comprovada, em adição, pela referência de Gênesis. 9:6.

O ser humano, com estas características, é, portanto, o recebedor capaz da delegação de domínio sobre a Criação recebida no em Gênesis 1:28. Os versos 28 a 30 apresentam os primeiros mandamentos dados ao homem. Eles estabelecem a situação de primazia, comando e administração da criação, recebida diretamente de Deus. O homem não é um acidente na criação. Ele foi especialmente nela colocado, para servir a Deus, e a criação subsiste como base para servi-lo em seu propósito maior.

O capítulo 1º de Gênesis encerra-se com a declaração de adequação da criação, só que desta vez, em seu fecho, o texto sagrado apresenta um qualificativo a mais e registra que tudo quanto Deus fizera "era muito bom"! Gênesis 1:28 nos ensina, portanto, que Deus criou o homem e o comandou a "dominar a terra e a sujeitá-la". Por esta razão colocou os outros seres viventes ao seu serviço e sob sua administração. Este mesmo comissionamento foi repetido em Gênesis 9:1-3, depois da queda e depois do Dilúvio. O exercício do domínio é impossível sem o conhecimento, logo isso tem muito a ver com cultura:

Significa que Deus dá legitimidade a todas as áreas do conhecimento e das atividades humanas (exceto, é óbvio, aquelas que representam envolvimento em práticas contrárias à Lei Moral de Deus) e que comanda as pessoas a desenvolverem o conhecimento verdadeiro sobre a sua criação. Todo o estudo das questões e matérias, à luz da Palavra de Deus, está dentro da legítima atuação do servo de Deus. Senão, como vamos "dominar a criação"?
I Coríntios 10:31 nos indica como deve ser este envolvimento. Tudo que fazemos na vida, até as coisas mais mecânicas e instintivas, como o comer e o beber, deve ser feito com a plena conscientização da glorificação a Deus.
Esta era a visão de vida dos reformadores. Para eles o Cristianismo era vida e não apenas uma filosofia idealista compartimentalizada. Temos que ter cuidado para não apresentarmos a fé Cristã ao mundo como sendo um conceito distanciado que não interage com o dia-a-dia das pessoas.

6. Cultura e beleza foram utilizadas por Deus no Tabernáculo e no Templo.

O Tabernáculo: Em Êxodo 25:1-9, temos uma descrição de diversos tipos de matérias primas, trabalhos e artes utilizados sob o direcionamento e prescrição direta de Deus. Isso não somente legitima as diferentes profissões como também a arte e cultura contida em cada um dos artefatos descritos. Um artigo de uma autora cristã nos chama a atenção para o fato que "Deus permitiu que os israelitas recebessem jóias e roupas do povo do Egito e aceitou com agrado a contribuição voluntária de uma parte dessas para serem transformadas em utensílios e enfeites para o tabernáculo, o lugar em que Ele seria adorado. Moisés transmitiu a mensagem, Tomais, do que tendes, uma oferta para o Senhor; cada um, de coração disposto, voluntariamente a trará por oferta ao Senhor: ouro, prata, bronze, estofo azul, púrpura, carmesim, linho fino, pêlos..., peles..., pedras de ônix e pedras de engaste...(Êxodo 35:5-9). Êxodo 35 a 39 descreve a beleza desse tabernáculo e os detalhes das vestes dos sacerdotes, tudo do melhor e do mais bonito. Ouro, linho, pedras preciosas, anéis, argolas, coroa... Quando os israelitas tiraram o espólio do povo de Canaã, na medida em que Deus permitiu, ele nunca deu ordens para que deixassem de lado as jóias e roupas bonitas que estariam entre as riquezas que poderiam levar, nem que as aproveitassem de outra maneira." Portanto, nas diretrizes bíblicas sobre a construção do tabernáculo vemos a aprovação divina de várias expressões de cultura e, o que é interessante, a apreciação de objetos de mérito procedentes de descrentes:

O Templo – Em I Reis 6:7 lemos sobre planejamento, arquitetura, engenharia. Em 7:14, sobre metalurgia e o trabalho específico em cobre. Sabemos que estas atividades não podiam ser executadas sem conhecimento e cultura. Academicamente falando, era necessário o saber das ciências exatas–matemática, física, química, além de habilidades artísticas reconhecidamente superiores. O Templo, que foi erguido como um símbolo (I Reis 8:27) e um testemunho (I Reis 8:41), é um selo de aprovação da parte de Deus nas apreciação naquilo que o homem pode produzir de belo e no conhecimento básico das diversas profissões, quando isso é encaminhado para a Sua glória.

7. A Cultura Real tem Mérito e Qualidade.

Já nos referimos à tendência de definir tão abrangentemente o conceito de cultura, que todas as formas comportamentais são aceitas como valiosas. Essa mesma tendência se estende a outras áreas de realizações humanas, como por exemplo as artes plásticas e a música. Somos ensinados, por algumas pessoas, que tudo que provêm espontaneamente de um povo deve ser aceito e até trazido para a igreja. É tudo uma questão de estilo, nos dizem. Será que é mesmo assim (Filipenses 4:8-9)?

Até os descrentes estão começando a abrir os olhos para um julgamento mais adequado do que é considerado "arte" e "cultura". O caderno regional de uma revista semanal de circulação nacional publicou, recentemente, um ensaio no qual o articulista descrevia a sua visita na Bienal de São Paulo (Revista Veja SP, 2.12.98, p.122), feita em companhia de um amigo, conhecedor de "arte". Em frente a uma tela branca, o seu amigo conhecedor exclamava, entusiasmado: "É um marco!". Intrigado com várias outras obras estranhas que recebiam a admiração do amigo, entre elas uma pedra cheia de chicletes pregados, ele indicou que não estava entendendo nada. O amigo entendido "explicou" ao apreciador perplexo: "A arte não lida com a beleza, mas com transgressão". Certamente esse não é o critério de Deus. Por mais difícil que seja discernirmos os critérios de julgamento, nossa apreciação da cultura e das artes nunca pode desprezar a pergunta: "mas isso possui realmente qualidade e mérito?" Vimos que Deus, na criação, avaliou o que fez, passo a passo, e viu que era "bom", ou seja – a criação possuía valor intrínseco. Semelhantemente Ele escolheu formas de artes que eram "belas" para os locais de adoração. Vamos, portanto, ser apreciadores da cultura real (popular ou erudita), que tem mérito e qualidade.

Conclusão

Muitas perguntas pairam sobre nossa cabeça e deveríamos nos esforçar para respondermos, biblicamente, a cada uma delas: Será que temos absorvido aspectos da nossa sociedade como "cultura" sendo que estes, na realidade, contrariam preceitos da Palavra de Deus? Que devemos dizer da "cultura de negócios" encontrada em nossa sociedade, será que ela agrada a Deus? Estamos nos destacando pelo nosso testemunho de contraste, ou pelo envolvimento inconseqüente com as manifestações "culturais" de nossa sociedade? Ou será que temos nos isolado indevidamente e falhado em reconhecer as bênçãos de Deus, providenciadas por sua graça comum, quando permite que o homem escreva, componha ou produza algo que é belo e agradável?

E a igreja? Tem ela absorvido aspectos de uma cultura que contraria a Palavra de Deus. Ou será que tem reagido de forma extremada, proibindo o que Deus não proíbe? E qual tem sido o impacto da cultura, ao longo da história, na liturgia da igreja? Qual deve ser o papel da igreja na transformação da cultura de um povo? Recentemente temos visto muitos artistas que se declaram convertidos, mas que não discernem nenhuma maldade ou imoralidade na forma de expressão que marcou suas carreiras, por exemplo: uma dançarina, meio cantora, famosa por suas músicas entremeadas de grunhidos e suspiros, pelas roupas sumárias que usa e por sua dança erótica de segundas implicações, continua a se apresentar e divulgar essa forma de "cultura" ao mesmo tempo em que se identifica com a igreja evangélica. Será que está certo, isso?

Que Deus possa nos conceder o discernimento necessário a vivermos vidas cristãs autênticas que O honrem em todos os aspectos de nossas vidas.


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Leitura adicional:

Michael S. Horton, O Cristão e a Cultura (S. Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998).
Don Richardson, O Fator Melquisedeque (S. Paulo: Edições Vida Nova, 1986).
Ricardo Gondim, É Proibido ( S. Paulo: Mundo Cristão, 1998).
John Fisher, What on the World Are we Doing? (Ann Arbor: Vine Books, 1996).